No final de 1852, dois anos depois de ser publicada a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravizados ao Brasil, o capitão americano Nathaniel Gordon aportou na região de Angra dos Reis, Brasil, e desembarcou rapidamente cerca de 500 pessoas africanas. Atento a rumores de que ele estaria a ser procurado pelo crime de “tráfico negreiro”, decidiu atear fogo à própria embarcação.
Disfarçado com roupas femininas, Gordon conseguiu fugir e voltar aos Estados Unidos. O barco, um brigue — pequeno navio de dois mastros, mais ágil — chamado Camargo, afundou na costa brasileira, levando junto provas materiais daqueles derradeiros anos da escravidão. Camargo foi um dos últimos navios a conseguir transportar, clandestinamente, pessoas escravizadas ao país.
O coordenador do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da UFS, professor Gilson Rambelli, é um dos pesquisadores que estão mergulhando nas águas do Bracuí desde o final de 2022. O objetivo é encontrar provas materiais sobre o naufrágio, a fim de ajudar a desvendar mistérios que ainda cercam a história do tráfico de escravos para o Brasil.
Para a ciência brasileira, é um projeto ousado. A busca efetiva dos restos do brigue Camargo começou a ser desenhada há cerca de 15 anos.
De lá para cá, esforços foram somados. A empreitada une o projeto Passados Presentes: Memória da Escravidão no Brasil, da UFF; o Arquivo Nacional; o Slave Wrecks Project, uma rede internacional coordenada pelo Smithsonian Institution National Museum of African American History and Culture em conjunto com a George Washington University; o Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da Universidade Federal de Sergipe; e o Instituto AfrOrigens, que tem no projeto Camargo sua iniciativa pioneira.
Depois de um mapeamento da região onde mais provavelmente o naufrágio ocorreu, a equipe realizou três mergulhos para esquadrinhar a área, próxima à foz do rio Bracuí, em Angra dos Reis.
“O navio, para o arqueólogo, é um artefacto que carrega os conhecimentos de um determinado tempo na história. Por isso, estamos procurando evidências para identificar se de fato são restos do Camargo. Isso vai possibilitar, por exemplo, a criação de sítios arqueológicos na região,” ressalta Gilson Rambelli.
O primeiro mergulho ocorreu em Novembro de 2022. Outro, em Dezembro. O mais recente foi agora em Julho. São expedições ainda preliminares, em que os arqueólogos submarinos utilizaram equipamentos como sonares para buscar vestígios de qualquer coisa que possa vir a ser um resto de navio afundado.
Além das buscas no fundo do rio com o uso de tecnologias oceanográficas, a memória oral do quilombo Santa Rita do Bracuí, localizado às margens do rio Bracuí, tem auxiliado os pesquisadores a traçar o caminho do Camargo.
Para os pesquisadores, reconstituir o que foi o brigue Camargo é conseguir entender melhor três pontas do outrora chamado “tráfico negreiro”: da venda, em Moçambique, à chegada, ao Brasil — passando pelo intermediário, americano.
“A ideia do projeto é contar toda essa história que envolve o naufrágio tanto pela pesquisa histórica de arquivos, bem como pela memória coletiva, dando visibilidade a oralidade dos quilombolas,” afirma a professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Martha Abreu.
Financiada pelo Slave Wrecks Project, rede americana de museus Smithsonian que rastreia naufrágios no Oceano Atlântico, a pesquisa é realizada pela UFS e UFF, em parceria com duas instituições de ensino e pesquisa dos Estados Unidos. São elas: George Washington University e Smithsonian Institution National Museum of African American History and Culture.
Fonte : Site do Portal da Universidade Federal do Sergipe
Site da BBC Brasil